Segunda-feira,
30 de Abril de 2012 | ISSN 1519-7670 - Ano 16 -
nº 691
VOLTA ÀS AULAS
Reportagens constatam despreparo das redes de
ensino
Por Mariângela Graciano em 09/03/2010
na edição 580
A cobertura educacional na última
semana de fevereiro (22 a 28) foi marcada por notícias que registram
dificuldades encontradas por estudantes e professores para iniciar o ano
letivo. A Notícia (SC, 25 e 26/2) eA Gazeta (MT, 26/2) destacaram a precariedade
das condições físicas de prédios, que obrigaram a improvisos inusitados, como
aulas em corredores, embaixo de árvores ou o adiamento do retorno por tempo
indeterminado.
Outro tema preocupante é a falta de
vagas para atender estudantes do ensino fundamental, conforme noticiaram a Gazeta do Povo (PR, 23/2) e o Diário de Natal (RN, 23/2). Vale destacar que no ano passado oAção na Mídia identificou
conjunto de reportagens similar, o que indica uma tendência que contradiz as
informações oficiais, atualmente senso comum, sobre a universalização do acesso
à educação na faixa dos 7 aos 14 anos.
A situação, identificada por alguns
jornais, merece investigação em todos os municípios. Os conselhos tutelares são
importantes fontes de informação para a produção de reportagens sobre o tema,
assim como é preciso perguntar aos gestores das diferentes redes de ensino
sobre a orientação para o registro de demanda (quando mães e pais procuram a
escola para matricular as crianças e não há vagas, onde e como é registrada a
solicitação?), e conferir se a versão oficial se confirma nas unidades
escolares. As razões para a falta de vagas também não foram abordadas nas
reportagens – escolas foram fechadas? Número de turnos reduzidos sem a
ampliação do número de salas? São algumas das perguntas que os gestores têm a
obrigação de responder.
Quais as medidas cabíveis
A falta de preparo das redes de
ensino de São Paulo – estadual e da capital – para receber as crianças de seis anos
no ensino fundamental pautou a Folha de S.Paulo em (26/2). O jornal acerta em visitar escolas e mostrar as dificuldades
cotidianas, enfrentadas por estudantes e professoras, assim como em estimular
os gestores a explicarem as medidas para superar a situação e trazer reflexões
de pesquisadores sobre o direito da infância e as opções pedagógicas. Mas se
equivoca ao explicar o contexto.
Embora a lei que estabelece a
matrícula aos 6 anos seja de 2005, esta apenas cumpre determinação do Plano
Nacional de Educação, de 2000, e está no contexto da ampliação do ensino
fundamental de 8 para 9 anos, determinado no PNE. Também é equivocada a
abordagem que a medida, atribuída ao MEC, se destina a colocar as crianças
pobres na escola. Não é nem uma coisa, nem outra. O MEC apenas cumpriu o
estabelecido no PNE – nada além de sua obrigação –, e trata-se de uma política
universal – não é uma ação afirmativa, ou compensatória, ou ainda um programa
de inclusão social. Aliás, seria interessante verificar se e como as redes privadas
de ensino estão cumprindo a lei.
As três situações registradas pelos
jornais evidenciam falhas na gestão da educação e seria muito importante que as
reportagens tomassem o sistema de justiça como fonte para informar quais as
medidas cabíveis para a responsabilização administrativa e judicial dos
governantes. Afinal, ninguém pode alegar surpresa ou falta de tempo para
planejar o início de um ano letivo.
Audiência no STF discute cotas
Folha de S.Paulo (26/2) e O Globo (27/2) noticiaram os resultados do
desempenho dos estudantes paulistas no exame criado pela Secretaria Estadual de
Educação. A Folha acertou em repercutir os resultados, interpretados pelos gestores como
validação de sua política de remuneração por bônus e adoção de apostilas, com
pesquisadores do campo. A informação sobre a mudança na metodologia para
computar os resultados, agora considerando suficiente o que era insuficiente no
ano passado, ajudou a entender os resultados. A lamentar que outros veículos
tenham simplesmente reproduzido as informações produzidas pela assessoria de
imprensa da SEE/SP.
A audiência pública promovida pelo
STF nos dias 3, 4 e 5 de março para ouvir argumentos contrários e favoráveis à
adoção de cotas para o ingresso de pessoas negras nas universidades teve pouco
destaque nos jornais. Correio Braziliense (26/2), O Globo (26 e 27/2) e Jornal de Brasília (28/2) trataram do tema em pequenas notas. Também, editorial de O Globo, comentando o evento em tom
alarmista, argumentou que o ingresso de estudantes por meio de cotas coloca em
risco a qualidade das instituições de ensino, quando pesquisas que provam
justamente o contrário são bastante conhecidas.
No total, 38 pessoas foram chamadas a
se pronunciar no STF para instruir seus membros, que devem julgar a ação de
inconstitucionalidade proposta pelo DEM. Divulgar os diferentes argumentos
apresentados na audiência é uma importante pauta para a próxima semana para
estimular a sociedade em geral a se envolver com a temática. Leia mais sobre a
audiência pública do STF emwww.acaoeducativa.org.
Tolerância zero
"Professores de castigo"
foi o título da polêmica reportagem publicada pela revista Época (22/2) abordando medidas adotadas pela prefeitura de Nova York para
afastar das salas de aula professores que não correspondem às expectativas das
direções. A reportagem conta em detalhes, e com entusiasmo, que os professores
afastados, sem direito à defesa inicial, aguardam a decisão sobre sua
permanência na carreira "de castigo": "passam os dias de
trabalho confinados em salas vazias, dentro de complexos chamados de Centro de
Recolocação Temporária", onde são vigiados por seguranças; não podem ler,
falar ao telefone ou usar computador.
A repórter Camila Guimarães poderia
ter apresentado pelo menos uma fonte qualificada para comentar a medida,
inclusive do ponto de vista ético, ao invés de se ocupar tanto com os custos da
ação.
O texto tenta justificar a ação do
prefeito com frases de pesquisadoras de instituições privadas brasileiras que afirmam
haver conflito entre os direitos da carreira docente e o direito de aprender
das crianças e que os professores não admitem precisar de ajuda. As fontes e as
frases são as mesmas utilizadas nas reportagens que defendem a remuneração por
bônus, implementada pela SEE/SP e citada na matéria como uma versão "mais
suave" que as salas de castigo, pois ao invés de punir os maus, premia os
bons. Bastante infeliz a comparação; ainda que não existam dados que comprovem
a eficácia da política de bônus adotada em São Paulo, felizmente ela não tem
nada em comum com uma ação que se aproxima do campo da segurança pública, uma
quase medida de privação de liberdade.
A produção de reportagens pautadas em
experiências internacionais exige, além de bom senso, consulta a fontes que
possam contribuir com informações e análises baseadas em pesquisas e dados
consistentes.Confira aqui o Banco de Fontes sobre ofício docente.
FONTE:http://www.observatoriodaimprensa.com.br/news/view/reportagens_constatam_despreparo_das_redes_de_ensino